sábado, 8 de dezembro de 2007

Canoas é marginal: ao capital e à Capital


Assim como outras cidades da Grande Porto Alegre, como Esteio, Sapucaia, Nova Santa Rita, Cachoeirinha, Alvorada ou Viamão, Canoas foi construída à margem da Capital do Estado, não para beneficiar a população local, em geral pobre e despossuída, mas sim para facilitar o acúmulo de capital da burguesia local e, principalmente, das burguesias de Porto Alegre e das cidades de imigração alemã ao norte. Canoas, Esteio e Sapucaia se tornaram cidades oprimidas e colocadas à margem pela exploração destas burguesias regionais ao norte e ao sul. Assim como diz o grafite em um bairro da periferia de Esteio: “Quando morrer vou para o céu porque o inferno já é aqui.”. Um bairro tão de periferia quanto os bairros canoenses, que por alguns metros no mapa do município poderia fazer parte de nossa cidade, mas que nada mais tem de diferente porque a miséria e a pobreza são as mesmas.


Com uma população maior que a maioria destas cidades à margem da Capital, Canoas possui uma característica própria: seus habitantes sentem-se mais próximos ao bairro ou vila em que moram do que a cidade como um todo. Ser “de Esteio”, “de Cachoeirinha” ou “Viamão” é tão normal quanto ser “da Mathias”, “de Niterói” ou “do Guajú”. As facilidades do transporte de mercadorias que o capitalismo criou em nossa cidade tornou mais fácil passar pela cidade do que transitar dentro dela, dividindo a vida da população. Quem sai de seu bairro para ir ao centro da cidade diz que vai “à Canoas” assim como vai à Porto Alegre ou Sapucaia. Até porque a dificuldade para transportar-se até lá é a mesma e ás vezes mais difícil do que sair de Canoas.


A construção do Trensurb desde 1985 acelerou ainda mais este processo. As pessoas passaram inclusive a se identificar com a Estação de trem em que descem para sua casa. “Sou da São Luís”, “Sou da Fátima”, pois não há outra forma de viver, de estabelecer contato com as pessoas, de aparecer, ou seja, as pessoas passaram a se identificar com o instrumento de transporte que diariamente traz e leva, leva e traz, canoenses para serem explorados em seus empregos e trabalhos. As propagandas comerciais e os out-doors sim, têm lugar preferencial e reservado por toda a rodovia federal, de um lado ao outro de Canoas, com a poluição visual e territorial que afeta a vida dos habitantes locais, para se instalarem onde quiserem parecendo ser o que desejarem, afinal “propaganda é a alma do negócio”. E canoense, será que tem alma?


Uma cidade cortada, uma cidade abortada à força pelo capitalismo, uma cidade que ainda não se encontrou. Mas quase todos e todas se encontram nas estações de trem e paradas de ônibus. A cidade pulsa como o pêndulo de um relógio quando chega a hora do trabalho, multidões de canoenses acordam para sair de sua cidade e pegar carro, ônibus, trem, carona ou qualquer locomoção que te faça chegar ao trabalho. O Trensurb ali está como um dos maiores transportadores diário de mão-de-obra do Rio Grande do Sul. A força de trabalho canoense constrói tijolo a tijolo a riqueza da região, mas que não nos é devolvida. Bairros e vilas sem saneamento básico, sem postos de saúde, sem transporte de qualidade, sem regularização fundiária, fazem desta cidade um dormitório opressor e muito pouco tranqüilo.


A burguesia local e, principalmente, a burguesia porto-alegrense, precisa da mão-de-obra dos trabalhadores e das trabalhadoras canoenses para lucrar não só com a venda de suas mercadorias mas também com o arrocho do salário, garantido pela quantidade de desempregados e desempregadas que eles podem contar como reserva. São eles muitos de nossos parentes, amigos, amigas, vizinhos, vizinhas, conhecidos, conhecidas e inclusive nós mesmos, quando acordamos na cidade dormitório sem ter um emprego para ir. Uma cidade de trabalhadores e trabalhadoras informais, ambulantes, vendedores, vendedoras, camelôs, assaltantes e traficantes, que, de forma legal ou ilegal, mas com certeza precária, correm atrás do que o capitalismo lhes tirou ou nunca lhes deu: a sua dignidade.


Como se não ter comida, casa, saúde e emprego não fosse uma violência, o inconsciente coletivo das populações excluídas de nossa cidade responde da forma mais bárbara e violenta possível, em geral com o tráfico de drogas, com o roubo e a morte. O sistema, corrupto e capitalista, corrompe os canoenses e as canoenses, tornando a criminalidade e a marginalização uma forma mais fácil e acessível de obter condições materiais mínimas para a sobrevivência no dia-a-dia, mais fácil e rápido do que o estudo, a educação, o trabalho e a profissionalização. O sistema capitalista cria as condições materiais para a violência quando explora e empobrece grande parte da população, e cria as condições morais para a violência quando mendigos e crianças de rua olham na televisão muitos juízes, empresários e políticos corruptos roubarem o dinheiro do povo e nunca irem presos. Não é com o mesmo sorriso sarcástico que a sociedade fica quando Canoas faz presente seu “Exú” e responde à piada elitista e racista da “Mathiaca” com um alto índice de criminalidade e violência tornando este um dos municípios mais violentos do Estado.


Nos causa muita indignação: assistir a RBS transmitir a saída dos turistas de Porto Alegre “limpando os pés” e abastecendo seus carros em postos canoenses para irem em direção à elegante Serra Gaúcha enquanto nós não temos nem ônibus decente para poder transitar; ouvir o barulho de aviões que não podemos viajar; olhar tantos caminhões com tanta comida sendo transportada atravessando a cidade sem podermos direito nos alimentar; de enxergar a construção de prédios e bairros chiques enquanto vilas inteiras são criadas pelas “invasões” senão as pessoas não teriam onde morar; de chegar à noite e em Canoas não ter aonde ir, não ter o que fazer; viver em uma cidade onde não se incentiva nem se organiza a produção cultural; ver que nenhum governo municipal defende os moradores e as moradoras do município, compram votos de pessoas necessitadas ou alienadas para se reelegerem e só atendem aos interesses das elites ricas de toda a região.

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